segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Quando a literatura encontra a fisioterapia

O projeto de extensão da Universidade Federal do Ceará (UFC), PROSA, traz humanidade ao trabalho solidário. São oito estudantes e três profissionais proporcionando qualidade de vida.



Enquanto os que planejam são estudantes jovens, com uma média de 20 anos, as que recebem são idosas, que o tempo e a família tentaram abandonar, mas não conseguiram. Talvez a proposta fosse ajudar sem receber algo em troca, mas acabou beneficiando os dois lados. A princípio, o projeto de extensão foi criado para que estudantes do ensino superior vivessem o tripé que embasa qualquer universidade: pesquisa, ensino e extensão. Mas o que eles não sabiam, é que as experiências vão os acompanhar não só até o fim da vida acadêmica, mas por toda sua existência.
No primeiro momento, a palavra Prosa despertou a curiosidade. Existiria alguma relação entre a classificação literária – prosa como contrária à poesia - com um projeto fisioterapêutico? Analisando a história desses personagens, a definição começa a se encaixar. O projeto transforma trabalho em literatura, onde temos um romance com vários capítulos e personagens. O principal é a luta pela sobrevivência e pela boa vivência. É a história de muitas Marias e Joanas, da dona Beatriz, que continua na luta e não desiste. Os escritores e roteiristas desta prosa é a equipe da saúde. São os fisioterapeutas, os organizadores e as estudantes, que orientam o enredo, atuado por todos.
Através do romance, é possível estabelecer relações afetivas e humanizadas com a sociedade. É papel de cada um utilizar seus dons para fazer sua parte na sociedade. Como futura jornalista, meu papel é contar histórias esquecidas pela mídia tradicional, mas que precisam ser divulgadas. Esta é uma delas.
O curso de fisioterapia da UFC é recente, está no segundo ano. Mas as experiências realizadas já valem uma vida. O projeto de extensão Prosa foi criado em 2010 para promover saúde de pessoas em situações de vulnerabilidade. Os primeiros beneficiados são os idosos. O projeto também procura ajudar a gestantes de alto risco e crianças. Um público alvo será incorporado a cada ano.
Toda sexta-feira é dia de prosa. Melina, de 19 anos, sai cedo de casa. Uma vez por semana é oportunidade de fazer pessoas felizes. “Elas [as idosas] não têm ninguém, sabe?”, diz Melina. A estudante de fisioterapia explica que muitas foram as resistências por parte das idosas. “Algumas não queriam participar das atividades ou fechavam a cara e resmungavam”, explica. Mas a verdadeira razão para isso, Melina só soube depois, por uma confissão de dona Didi. Ela tinha medo que fosse abandonada novamente. Não queria se apegar às meninas do projeto, pois elas podiam ir embora e o asilo ficaria sem graça novamente.
Os prosadores, termo referente aos que articulam o projeto, aproveitam datas comemorativas para enriquecer as atividades. O feriado do carnaval foi um deles. No dia quatro de março, as idosas confeccionaram máscaras de baile e bailaram ao som de antigas marchinhas. Luana, de 19 anos, explica que a atividade buscou criar uma interação entre elas, desenvolvendo a criatividade e coordenação motora.
Hoje, depois de cinco meses de assistência, já se nota o brilho nos olhos. Tanto dos olhos calejados pelo sofrimento e pela idade, quanto nos olhos jovens que ainda estão descobrindo o mundo. Os cabelos brancos e grisalhos, antes opacos e ralos, brilham e se movimentam. Acompanham os exercícios de fisioterapia e os movimentos de superação.
O brasileiro é assim. Uma mistura de raças fortes, sensíveis, guerreiras e cuidadosas. Tudo de uma vez só. São pessoas que não fogem à luta. Aquela diária. De encontrar sentido na vida a cada despertar. De querer viver até acabarem os sonhos e a esperança, pois são os últimos que morrem. E não é só dos idosos, mas das jovens que passam por provações todos os dias. O projeto não tinha o apoio necessário. Por falta de profissionais da fisioterapia, a extensão ia fechando as portas. Mas como toda ferida pode ser sanada, problema resolvido.
O diferencial do grupo é a humanização. As estudantes são voluntárias. As atividades são realizadas semanalmente em abrigos de idosos em Fortaleza, capital do Ceará. Até ai, nenhuma novidade. É o cuidado em criar um vínculo de confiança que conta. Voltar o olhar para as necessidades deste público, ensinando maneiras de alcançar uma melhor qualidade de vida. É uma via de mão dupla, onde também é possível aprender lições de vida vendo e ouvindo histórias de superação.