quinta-feira, 25 de março de 2010

Folhas que os ventos trazem...


Para Humberto Campos, uma das características mais marcantes da alma asiática é a tendência de sonhar, de viver da imaginação e da meditação. Os árabes são como árvores. Têm seu tronco no Oriente, mas suas folhas são lançadas a todos os ventos pela terra. “O deserto, como o oceano, tem rumos, mas não tem estradas”, diz Humberto. Algumas dessas folhas atravessaram o oceano e, por mais que tivessem rumos pré-definidos, os ventos as levaram para diversos lugares. Foi na Síria que as duas folhas protagonistas desta história se encontraram pela primeira vez. Mas antes de deixarem seu legado e se fixarem em Quixadá (interior do Ceará), onde viveram até a morte, essas folhas seguiram o rumo dos ventos várias vezes até se fixarem.
A primeira folha tem nome de Abraão Baquit e a primeira parte de sua história adulta é contada pelo filho José. José conta que o espírito aventureiro e sonhador de seu pai, Abraão, o levaram para os Estados Unidos aos 18 anos, onde passou onze anos. Solteiro, trabalhava doze horas diárias como mineiro numa mina de carvão de pedra. Cansado de ser tratado como escravo, Abraão não queria ser derrotado. O filho conta que ele refletiu ter errado em deixar a família e o país onde era alguém digno e disse que não ia desistir. Obstinado, contou para o filho como conseguiu fazer algum dinheiro no Novo Mundo: “ele passou dois anos indo dormir com fome. Quando o estômago doía, tomava água com açúcar para enganar a barriga”, conta o filho. “Nem ganhei na loteria, nem recebi herança. Consegui só economizando” dizia o pai para ele. Essa foi a grande lição que José diz ter aprendido. Aprendeu a ter paciência e a economizar. José diz que o Abraão contou essa história quando o filho, ainda novo, pediu insistente um carro para o pai. “ele acabou me dando um carro algum tempo depois”, ri. “Ele me queria muito bem”, diz o filho com orgulho.
Aos 29 anos, Abraão já tinha se estabilizado nos Estados Unidos quando percebeu que estava ficando velho, que tinha conseguido alguma riqueza, mas que não tinha com quem partilhar. Dizem os filhos que ele tinha uma companheira na América, mas que queria uma moça de sua própria cultura, com seus mesmos valores. Foi com esse intuito que resolveu ir visitar os entes queridos. Deixou seu comércio e seu dinheiro com a companheira americana e o pai dela. As folhas se encontraram quando Abraão retornou à Síria, onze anos depois. Rosa vivia num lugarejo cuidando dos irmãos mais novos, pois a mãe havia morrido quando a moça era ainda uma criança. A filha Giselda recorda que a mãe era muito bonita e cobiçada. Numa terra onde a cultura é de casamentos arranjados, a união dos dois teve um diferencial: casar com Abraão teve o consentimento de Rosa, que na época tinha 18 anos.
O casamento foi simples, pois Abraão só tinha dinheiro suficiente para o dote. Sempre justo, ele mandou uma carta para a companheira dos Estados Unidos dizendo que ia se casar e que queria seu dinheiro, mas não recebeu resposta. Sem dinheiro para sustentar a nova família, pegaram um navio pouco depois do casamento e atravessaram o Atlântico rumo à Argentina com Rosa tendo um herdeiro em seu ventre. A idéia era tentar a vida no Novo Mundo, mais precisamente em Buenos Aires, onde Rosa tinha família. O navio trouxe as folhas para o Rio de Janeiro, primeira parada da viagem. Por causa da bronquite crônica de Abraão, acharam melhor ficar no Brasil, pois não sabiam se a doença permitiria que agüentasse bem o clima do sul do continente. Ficaram lá por mais ou menos dois anos, onde Abraão trabalhava como mascate. Foi lá que nasceu a primeira filha. Giselda não se lembra do nome: “ficou viva por tão pouco tempo que ninguém sabe muito sobre ela”. O casal teve mais sorte quando nasceu o primeiro filho homem, Alberto, em 1924, vivo até hoje. O dinheiro que conseguiam não dava para viver como queriam. Giselda lembra que o pai também não se deu com o clima úmido do Rio de Janeiro. Preferiram tentar a sorte em Floriano no Piauí, onde tinham um parente com mais recurso. O casal se estabilizou com uma lojinha em 1925. Com a insegurança trazida com o avanço da Coluna Prestes, foram para Quixadá, onde tinham conterrâneos, como os Roque, os Lopes, os Salim, levando as mercadorias do comércio que tinham no Piauí.

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